Comprimidos

Leia a bula.

Ao persistirem os sintomas, procure um médico que saiba responder algo além de "deve ser amor".
Que coisa doentia.

quinta-feira, março 24, 2011

Meia bola sete.

Um banco à frente encontra-se uma senhorinha corcunda, de nariz e orelhas grandes, cabelos grisalhos e conjunto florido. Um saco velho de clichês. A típica avó.
Mas ela não me inspira confiança. Observa todos os novos passageiros, persegue-os com os olhos protegidos por um oclinhos meia-lua.
Não tenho paciência pra extremos que não os meus. Crianças e velhos são as pontas de uma linha geral do tempo. E também são chatos. As primeiras só servem pra buscar o controle da televisão, enquanto os segundos querem ser como os primeiros e insistem em dar trabalho. Só que, já dizia Newton, a massa é diretamente proporcional ao trabalho. E velhos costumam ser gordos.
Banco seguinte há um casal que eu adoraria convidar pra um jantar. Mulher elegante, mas sem exageros. Cara bonito, ombros largos. A barba está bem-feita. E mesmo que não estivesse com certeza não perderia o charme.
Mudando de fileira, uma adolescente de cabelo colorido. Ela não para de grunhir a musica que ouve num aparelho menor que meu bom humor. Nenhum comentário a mais, não seria amiga dela.
Agora sim. Cara alto, cabelo desnorteado e magro. Magérrimo. Aposto que dá pra ver a coluna quando está sem camisa. Quer dizer, não aposto pelo simples fato de que ninguem vai saber sobre essas minhas analises grotescas. Mas apostaria. E ganharia. Magro.
Só mais um banco. Mãe e filha, dormindo. Crianças deveriam ser treinadas pra dormir até os quatorze anos. Ou mais, dependendo dos neurônios. Existem algumas que mantém a idade mental na fase de blástula.
Opa, a velhota levantou. Espero ansiosamente ela sacar agulhas de crochê da bolsa e nos ameaçar, mas a setentona só arruma o óculos sobre o nariz e vai se movendo lentamente até a porta. Sai. Adeus, vovó.
Três paradas depois a Mãe, num ato desesperado, acorda a criança. Começa o mimimi. Merda! Provavelmente perderam o ponto. Choro alto. Meu e dela. Anda logo, motorista. Agonia.
Elas descem, enfim silêncio. Ou não. Que barulho é esse? Ah, mas é claro. A calopsita humana ainda não parou de cantar.
Cinco. Dez. Quinze minutos.
O homem magro levanta e dá um tapinha nas calças. Finge que quer tirar a poeira mas aposto que é uma tentativa em vão de se livrar de lembranças vazias. Olhar oco que não me engana.
Ele sai e empobrece a cena.
Do ato principal (que só é principal porque é unico e meu), ainda existem mais quatro personagens. O casal, a rebelde e eu, é claro.
Cinco. Dez. Doze minutos.
A garota se levanta de modo apressado bate com a mochila no meu cotovelo mastiga um desculpa e fala uma chiclete já que ordem e gênero e pontuação não cabem nessa fase alienada (talvez alienígena) da vida. Foi.
Cinco.
O Cara de Ombros Largos se levanta, transpirando ódio. Cadê a elegância, meu bom homem? A mulher segura sua mão suavemente e o convence a retornar pro banco de estofado rasgado. Não que esse seja o motivo da revolta. Eu acho.
Dez.
A conversa ganha tom e atenção. Não há nada de nobre no episódio e parece que a etiqueta e todas as suas regras foram rasgadas.
Dez minutos e algumas aspas.
Minha vez. Queria poder ficar pra saber o final da estória. Fervendo de ódio, desço e encontro a porta de casa. Não podia me atrasar.
Surpresa!
É meu aniversário e preciso agir como se não soubesse que eles iriam reaproveitar as bexigas da festa-surpresa passada. De novo.
Dê-me uma novidade, Dona Vida.
De preferência uma manchete de homícidio seguido de suicídio, um casal.
Ou quem sabe uma velhinha traficante, reconhecida no ônibus 607.

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