Comprimidos

Leia a bula.

Ao persistirem os sintomas, procure um médico que saiba responder algo além de "deve ser amor".
Que coisa doentia.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Ei, você ai.

Queria saber como você conseguiu isso. Como me conseguiu.

Porque, sabe, você não é nada de mais, não é muito diferente do resto do mundo. É comum, simples, normal, casual, um número, uma estatística. O problema é que você é você e isso me invade como uma lança em chamas. Queima, arde, inflama, infecciona e mata. Mas você também é um paradoxo. Daí eu revivo. Nasço das cinzas porque você quer, precisa, pede, manda ou nem ao menos se importa e então eu preciso levantar pra saber porque. Eu adoro ouvir sua voz. E também adoro perseguir seu silêncio. Adoro seu perfume tanto quanto o cheiro da sua pele. Seu sorriso, sua cara de puto, seu ciume, sua verdade, sua mentira e tudo mais que é seu, só porque é seu. E quando minha cabeça dá uma trégua de você eu tento entender, mas não dá.

Porque, sabe, você não é nada de mais.

Mas que porra de nada bom que você é.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Não que se importe.

estar contigo seria o paraíso
se não teimasses em transformar num inferno salgado.

onde o sal vem das minhas lágrimas, amargas,
insípidas e tão somente
minhas.
talvez seja por isso que não importe.
a dor não te atinge.
o rasgo não se aprofunda até tua carne.
é meu fim,
meu corte,
tua culpa.

teu riso que me arrebenta a alma,
teu cheiro que me confunde a mente,
teu cheio que me esvazia completamente.
e teu gosto que me alivia a morte.

não que se importe.

segunda-feira, novembro 15, 2010

Exit, oh shit.

Lá vai você, voltando pra ela e me deixando sem saber como voltar pra mim mesma.
S.O.S emergência, a porta da minha vida emperrou e você ainda se recusa a abrir.
Vou ter que arrombar. Destruir. Ser como você.

sábado, novembro 13, 2010

Moulin Rouge contemporâneo.

Ela andava de um lado para o outro, no quarto trancado. E querendo estar com ele.
Pensou que fosse pra sempre. Ele disse que seria.
Viado mentiroso, rato de puteiro, drogado, maldito, meu fim.

Ele estava sentado na sala, olhando a televisão sem enxergar nada.
Que porra de jogo ruim, acabou a cerveja, preguiça de ir no bar.
É, vou ficar aqui mesmo, que se foda. E pára de tocar, telefone desgraçado.

Era a outra. Não estava aflita, não estava apática. Estava ela, toda ela. A vadia.
A qualquer uma porque dá pra comer. Só dependia do ponto de vista.
Ligava pra saber se ia rolar mais uma.

Mas não ia. Ele não queria.
Aliás, de acordo com a mulher cuja vida ela desgraçou, ele não queria nada.
Era um sem rumo, sem fundo nem razão.
Mas também dependia do ponto de vista, porque de acordo com ele, ela tinha esse papel.

E agora ela estava ali, ainda repetindo aquele circuito agonizante.
Querendo lembrar de alguém que poderia garantir sua diversão nada sóbria, que pudesse levá-la para um beco qualquer e fazer ela se sentir usada.
Como se fosse a outra.
Cadê as anfetaminas?

Ele tentava se lembrar de como falar com as mulheres.
De como se chama aquele sentimento que estava ali agora há pouco, mas que provavelmente foi expelido junto com a porra toda.
Literalmente.
Ele lembrou. A amava, ela precisava saber disso.
Mas era incompetente demais, incapaz de sair porta a fora e gritar pro mundo tudo que ainda não havia sido sugado por aquela versão dele. A imunda e fanática por neons de casas promíscuas e saias que mais parecem cintos e mulheres que gemem por 10 paus. E não importa o ponto de vista nesse caso.
Ficou perdido em si, dando voltas.

Ela deu.

O telefone dele parou de tocar. Ela convidou um amigo de um colega de um vizinho, que ela chamava de Cara só por educação, porque ele não seria nada.
Foram pra um qualquer de beira de esquina e a música ambiente se misturava com o mofo do quarto, colônia barata e angústia.

E a outra era só a outra. Que não ligou mais, não se importou em saber.
E quem se importa quando a dor não consome a si?

sexta-feira, novembro 12, 2010

Alma condensada.

Tem dias que não dá pra acordar bem, inteira. Apenas levantar da cama, olhar o mundo através da janela e ver somente uma faixa de destino embaçada, enquadrada naquele pedaço inorgânico. De parar pra refletir (não no vidro, mas dentro de mim) e tentar descobrir para que vim.
Crises de identidade e (des)crença que me pegam de um jeito que não dá pra não pensar.
Hoje foi um dia assim, todo cinza.
Ainda debruçada no mármore gélido, fiquei, por longos minutos, fitando aquele reflexo abobalhado.
Pensei ter visto uma rachadura no vidro, mas era em mim que ela residia. Meus cortes, meus retalhos, meus indícios de fim. Rasgos que eu não mais lembrava de como contraí. Restos que a racionalidade fez questão de ocultar.
Mas então eu não existia mais. De tanto fugir, acabei me perdendo. E era como se eu visse uma desconhecida.
Aqueles traços não condiziam com o que gritava em mim. Eu fazia eco, meus berros íntimos estavam ali, mas até os mudos podiam falar do silêncio que envolvia o quarto.
Mesmo que a figura projetada gritasse que era eu, o que existia naqueles olhos que alegavam ser parte de mim não era o que eu imaginava passar. Não era o quê eu queria transparecer, mas o visível não existe de verdade. O que somos está escondido e não quer sair.
Não quer, não vai, não sai.
Então eu saio. Me escondo mais uma vez, agora dos meus desencontros.
Da falta que eu faço pra mim, da distância que me impede de agarrar tudo que sou e sinto e amo e amargo e não consigo mas continuo tentando porque é disso que eu vivo.

Por tantas vezes me pego desviando do que sou, do que estou. Tento sorrir quando choro por dentro, quando minhas entranhas estão se rebelando numa dor grogue, embriagada, afogada nos meus erros. E não dá pra respirar.

Claustrofobia. Abro a janela. Não adianta, o sufoco sou eu.

A chuva caía e com ela os pensamentos atordoados empoçavam.
Agora é só esperar que ela evapore, porque é daquelas que vão e cessam.
Que te deixam esperando numa esquina qualquer até resolver lavar quem mais precisar. E então você pode atravessar a rua, desviando dos buracos enlameados mas sabendo que você está aonde deve estar.
No meio da chuva, do frio, da névoa, de si.

Arte.

Tenho sonhado com coisas simples. O dia clareando, seu sorriso de caninos pontiagudos que perfuram meu coração e nada mais do que isso. Como se fosse pouco. Como se você já não fosse tudo.
Livro meus olhos do peso das pálpebras e reparo nas estrelinhas infantis coladas no teto. Elas não brilham mais à noite.
Queria poder dormir lá fora, mas a sociedade não deixa. Queria poder dormir com você e espero que a sociedade vá tomar no cu se vier impedir que essa ultima gota de felicidade jorre de mim.
Mas ai eu abro a janela. E você tá pela esquina de qualquer lugar. Esqueci aonde eu tô, o nome da rua, o meu nome. Só sei de você.
E dos seus braços que envolvem o pacote pardo da padaria, a fumaça que sai dos seus lábios. Dois vicios num só. Mas eu largaria o cigarro por você, acredite.
Eu me largaria por você. Eu já faço isso.
E você para num banco qualquer de uma praça que brotou pelo meio do caminho. O que você criou pra que seus pés pudessem pisar.
E senta, e encanta, e faz de mim uma espectadora alucinada por te ver esfarelar o francês com manteiga. A xícara de café roubado do bar vizinho (que é mais gostoso, o da padaria é muito ralo) e o cheiro que sai dela incomoda meus pulmões. Mas eu seria capaz de moer café com os olhos só pra te ver sorrir com a degustação. Só pra assistir você cheirar toda a fumacinha e dizer pra si mesmo que tem sorte de ainda ter um emprego qualquer que banque seu pretinho da manhã.
Fotografo essa imagem. Emolduro. Um quadro que eu pregaria na minha parede.
Porquê existem coisas que são lindas sem esforço?

terça-feira, novembro 09, 2010

Abre-se o jornal da vida real.

Toda manhã ela aparecia na mesma padaria, sentava-se próxima ao balcão e pedia seu rotineiro café com pão.
Abria o jornal matinal, e ia intercalando a leitura com os goles na bebida aquecida. Aquele jornal que vinha com as notícias diárias, a maioria delas tragédias cuspidas em letras garrafais. Relatos de vidas fragmentadas por motivos insanamente humanos.
Eram gritantes os defeitos, mas, ainda assim, ela vivia como se sua história fosse parar num filme hollywoodiano.
Estava totalmente alheia ao que acontecia.
Ria-se das tirinhas, um interesse especial naquelas em que o protagonista é um animalzinho falante, tão surreal. Cultuava as crônicas, salto triplo no caderno de esportes. Sapateava nas folhas do caderno de economia que, aliás, relatavam mais um acesso de crise nas ações.

Quem se importa?

Ela estava ali, saboreando um café forte feito o povo que doma a verdade do mundo. Um café emoldurado por uma xícara de porcelana, frágil feito essa puta sociedade desigual, apagada como a voz de toda essa gente, descontente, descrente, doente de não saber o quê é ou o quê pode ser.
Um café doce como as lorotoas que hoje contam aqueles da politicagem, se maquiando de sensibilidade e justiça.
Café puro feito a mente das crianças que ainda acreditam no que está por vir.
E o pão? Esse é pra que a vida não fique tão indigesta. Ele que torna tudo menos intragável.
É pra segurar aqueles que tem estômago.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Insônia.

Queria ter alguém para poder largar meus braços em torno dos ombros largos,

Alguém que consiga inibir o caos ao tecer meu corpo com as mãos.

Que não faça das minhas desastrosas desventuras seus fardos

Em quem eu possa confiar, sem medo, meu coração.


Alguém que sorria em meio ao fim

Só pra me ver trocar o rosto por um mais risonho.

Que esteja, mesmo à milhas, vivo para mim

E que não me acorde, ao som do despertador, gritando que tudo foi um sonho.


Não me faça cair da cama, eu acreditei que era você.

E isso não tem rima, nem graça. Nem alma, nem nada.

Nem eu.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Em suma, sumiria.

Hoje não é um bom dia para morrer.
Ontem talvez tivesse sido, as cinzas se misturariam com tantas as outras no meio do mar. Fênix é o cacete, me deixa ir. Me deixa nadar, me afogar, me perder, me encontrar e sumir, com ou sem mim. Sanar essa ferida que não estanca, sanar minha sandice, minha encenação de gente viva.
Mas hoje não é mais um bom dia pra morrer. Perdi a hora, e então só ano que vem.
Pelo menos algum dia da minha história deve fazer sentido.
Nem que seja o ultimo.

terça-feira, novembro 02, 2010

Corredor de si.

Na beira da cama, os pés apontavam para o teto. Cabeça funda no travesseiro, a espuma afogando as têmporas. Se não fosse a luz clara que já invadia o quarto, poderia fingir-se de morta e realmente acreditar.
Trrrrr.
Mas que porra é essa?
Maldito seja Graham Bell. Mentira, maldita seja eu que resolvi manter contato com esse (i)mundo.
Trrrrrrrrr.
DDD. Doença, demência e desatino. Quem sabe destino. Tanto faz.
Trrrrrrrrrrrrrrr.
Amaldiçoada ou não, ela se levantou, sem olhar para os lados. Tentava respirar o mínimo possivel para manter o silêncio e não irritar os ouvidos insatisfeitos da noite anterior.
Foram tantas palavras insossas. Sem dó,
sem dor, sem
nada.
Se arrastou até o cômodo seguinte, donde vinha o - TRRRRRRRR - berro mecânico.
Ele parou assim que ela se aproximou.
Se estivesse em seu estado natural teria xingado até a ultima espiral do fio, mas não estava. Realmente não. Nem ali talvez estivesse.
Voltou como se tateasse as farpas do chão de tacos, arrastando a manta que só agora descobrira estar sobre seus ombros.

Foi então que viu. Que se encontrou.
O reflexo estava ali, não podia mais evitar.
Parou em frente ao espelho, no meio do corredor, e então analisou as bolsas escuras sob seus olhos negros. Os dentes amarelados não instigavam mais um sorriso. As curvas disformes espalhavam pela imagem suas imperfeições.
Até ontem nada disso estava ali. Lembrou-se daquela música que selava a própria realidade. "E quando olhei no espelho eu vi meu rosto e já não reconheci."

Ela era a melhor, a maior, a mais bela. A única.
Era dele.
Mas agora só sobrara aquilo. Uma espécie de borra, sem definição. Uma figura comum que, se jogada no meio da multidão, não se destaca.
Talvez só fora esse mesmo seu papel. Um enfeite, um bibelô. Daqueles que se põe na estante mas logo perde a graça, devido ao desgaste da superfície.

Prostrou-se na cama e esperou que a poeira da escuridão chegasse. Cobriu todo o corpo com a manta. Jogou-a então para um canto, com expressão de asco por ela estar tomada daquele perfume barato que infectava o tecido.
Nunca fora religiosa, ainda mais agora que toda a descrença desabara sobre seus miolos, mas rezou pra que dormisse tempo suficiente para jamais ter de rever a própria imagem, que arreganhava a verdade na cara dela.
E lamentou saber porque e por quem tinha medo de se encontrar.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Três poemas de um estado (de espírito) que existe*

Del mondo, Drummond.

Nunca fui um personagem dotado de boas memórias
E o fado se propõe a me infernizar.
Se a criatividade existe, me falta papel
E se o látex surge, por pena de mim,
É o tinteiro que seca e impede a consumação.
Cruel é o destino de um jornalista que, por falta de sorte,
Não propaga seu dom pela falta do que dizer.
Mais ardido é o daquele que tem a noticia,
Mas nada na mão para fazê-la acontecer.

(Desconfio que escrevi um poema...**)
Melhor acabá-lo logo antes que o cosmos me pegue e leve embora esse rasgo de papel com tudo que sobrou de mim.
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Redator sem redenção.

Ninguém me vê através das letras estampadas no segundo caderno.
Desde que eu leve o choque, a risada ou a pura informação, não há mais nada para saber.
O senhor da praça não percebe que está a me ouvir
E não duvida da minha voz.
Mas só não o faz porque não se lembra de mim.
Porque seus oclinhos meia-lua não me enxergam. Mas eu os vejo.
Vejo o mundo e transcrevo.
Eu, como se fosse a mão que dita o dia-a-dia, não sossego nessa falta de reconhecimento.
Por mais que eu tente, não saio dessa capa invisível que se mantem contente nas letras miúdas do fim da página.
Caracteres semelhantes à minha carta de identificação mas que, de fato, não significam nada.
Porque não sabem que eu sou eu. Porque não duvidam de mim por não saberem que 'mim' existe.
Minha humanidade é subestimada, passo a ser apenas porta-voz de tudo.
E, mesmo assim, sou mudo na mente de vós.
Não cheiro a tinta, minha pele inflama e exala verdade.
E o mundo conspira pra calar minha existência, mesmo que precise de mim pra se fazer existir.
Afinal, sem mim o mundo seria mundos.
Vários, individuais, que se chocam e não atravessam uns aos outros.
Patético o quanto precisam de mim pra mostrar que são um só e, mesmo assim, não me percebem.
Quem sabe um dia eu me esqueça de avisá-los da programação cotidiana
E aí verão com quantos toques datilográficos se faz um jornalista.
E a sua verdade escorre pelas minhas mãos...
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Selznick que me perdoe.

Acordado até o calar da noite,
Eu ando cuidadosamente pela escuridão.
Não há como dormir sabendo que a plenitude chegou à mim. Que finalmente fui capaz.
As anotações que carrego comigo contém informações que qualquer um cobiçaria.
É de surpreender que até agora eu tenha durado tanto com algo tão valioso.
Vejo, ouço, sinto que a cada esquina algo vai tirá-lo de mim.
Corro intimamente dessa sensação de proteção que evoca o pânico.
É um presente divino, consolo por toda a minha história penosa entre os papéis nebulosos do escritório.
Finalmente, me ponho a dormir, faz tempo que não experimento tal ato com um sorriso no rosto.

E amanhece.
Cabeça baixa, desiludido, fracassado, abatido.
Não vejo porque continuar tentando se tudo termina emoldurado da mesma forma.
Quadro trágico.
O breve momento de felicidade que experimentei ontem
Nada mais foi que uma brincadeira infame do destino.
Francamente, se Deus realmente existe, seu senso de humor é doentio.
Porquê toda soberania é sádica?
O vento que carregou as minhas anotações mal sabia que arrancava um pedaço de mim, a sangue frio.
E com certeza não iria fazer diferença se tivesse se mantido na inexistencia, maldito sopro dos céus.
Mas agora eu assumo esse papel de um qualquer. Uma mera caixa de ossos, sem razão pra seguir, além de um estúpido que esquece de fechar as janelas.
O afortunado ser que as alcançou no ar, se tem qualquer idéia do que está escrito, com certeza terá uma vida contrária a minha.
Tenho a estranha sensação de que “O Vento Levou” não terá mais o prazer de completar minha estante cinematográfica.
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* Pra quem não entendeu, o título faz referência ao Dois Poemas Acreanos, de Mario de Andrade.
** Parafraseando Drummond, que pretensioso senhor jornalista!
...
Ah sim, e nada contra o Acre, foi só um perdigoto de humor, desculpe-me a nojeira.