Comprimidos

Leia a bula.

Ao persistirem os sintomas, procure um médico que saiba responder algo além de "deve ser amor".
Que coisa doentia.

sábado, novembro 13, 2010

Moulin Rouge contemporâneo.

Ela andava de um lado para o outro, no quarto trancado. E querendo estar com ele.
Pensou que fosse pra sempre. Ele disse que seria.
Viado mentiroso, rato de puteiro, drogado, maldito, meu fim.

Ele estava sentado na sala, olhando a televisão sem enxergar nada.
Que porra de jogo ruim, acabou a cerveja, preguiça de ir no bar.
É, vou ficar aqui mesmo, que se foda. E pára de tocar, telefone desgraçado.

Era a outra. Não estava aflita, não estava apática. Estava ela, toda ela. A vadia.
A qualquer uma porque dá pra comer. Só dependia do ponto de vista.
Ligava pra saber se ia rolar mais uma.

Mas não ia. Ele não queria.
Aliás, de acordo com a mulher cuja vida ela desgraçou, ele não queria nada.
Era um sem rumo, sem fundo nem razão.
Mas também dependia do ponto de vista, porque de acordo com ele, ela tinha esse papel.

E agora ela estava ali, ainda repetindo aquele circuito agonizante.
Querendo lembrar de alguém que poderia garantir sua diversão nada sóbria, que pudesse levá-la para um beco qualquer e fazer ela se sentir usada.
Como se fosse a outra.
Cadê as anfetaminas?

Ele tentava se lembrar de como falar com as mulheres.
De como se chama aquele sentimento que estava ali agora há pouco, mas que provavelmente foi expelido junto com a porra toda.
Literalmente.
Ele lembrou. A amava, ela precisava saber disso.
Mas era incompetente demais, incapaz de sair porta a fora e gritar pro mundo tudo que ainda não havia sido sugado por aquela versão dele. A imunda e fanática por neons de casas promíscuas e saias que mais parecem cintos e mulheres que gemem por 10 paus. E não importa o ponto de vista nesse caso.
Ficou perdido em si, dando voltas.

Ela deu.

O telefone dele parou de tocar. Ela convidou um amigo de um colega de um vizinho, que ela chamava de Cara só por educação, porque ele não seria nada.
Foram pra um qualquer de beira de esquina e a música ambiente se misturava com o mofo do quarto, colônia barata e angústia.

E a outra era só a outra. Que não ligou mais, não se importou em saber.
E quem se importa quando a dor não consome a si?

5 comentários:

O Maldito Escritor disse...

Ha, não sabia que você era capaz de cometer esses - e tão bem...
Beleza de estilo - denso, tenso, intrincado - tô acompanhando.

Luis Felipe de Abreu disse...

poucos se importam, realmente.

puta texto. rascante, agressivo, sincero.
gosto dessa mudança narrativa dos pontos "dela" e "dele".

Anônimo disse...

Sempre bem vinda!
Também adorei o ar disso aqui.
Trato feito.

Mariana Klein disse...

Texto muito bom!
E sim, adiar a vida às vezes parece ser a unica forma, mesmo que esse tempo seja consumido pela angústia.

Giuliano M. disse...

tava com saudades de ler algo tão marginal (se é que me entende, eheheh)

gosto dessa visão turva e real que você tem!